quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Educação Cultural: o desafio do novo milênio

Dos desenhos em cavernas à contemporaneidade a arte acompanha a história do homem. No entanto, o reconhecimento e apreciação da mesma enquanto forma de expressão, enquanto comunicação ainda é algo excluído da vida diária dos baianos.
Com impressionante diversidade cultural e apesar dos avanços, a Bahia ainda não consegue fazer do hábito de interagir com a arte algo comum. Um dos agravantes de toda essa resistência é a falta de educação e estímulo para que esse distanciamento seja aos poucos vencido.
Não se pode considerar a falta de atrações do tipo na capital soteropolitana, pois nessa as opções são muitas, porém o que não corresponde à proporção é o público. Teatros quase vazios, com público considerável, ou na melhor das hipóteses “quase” cheio, essa é a realidade com a qual os artistas convivem em sua maioria. Segundo Daniel Moreno, estudante de medicina da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e integrante de um grupo independente de teatro, “a falta de abertura da mídia para a divulgação e a dificuldade em encontrar patrocínios e apoios, já que é muito caro montar e colocar um espetáculo em cartaz, são alguns dos agravantes para o desinteresse do próprio espectador”.
Um fato relevante para todo esse entendimento da falta de interesse dos baianos por arte, é a não educação para esse tipo de expressão. Durante toda a vida escolar uma criança é obrigada a conviver com a matemática, a física, a história, e tantas outras matérias que compõem a grade fixa de qualquer estabelecimento de ensino, mas por que não acostuma-la e/ou incentiva-la a apreciar a arte?
Dentre tantas matérias obrigatórias no currículo escolar, muito poucas instituições reservam espaço para algo que se aproxime do conceito de Educação artística, e quando o fazem limitam-se a reduzi-la a pinturas, desenhos e maquetes. Segundo a Marta Sabath, Psicóloga e Licenciada em Dança, “as escolas deveriam reservar um momento para levar os alunos ao teatro, a espetáculos de dança, fazer com quem eles vivenciassem isso para que isso se torne habitual”. Ela ainda afirma que “não só a escola, mas tem que fazer parte da rotina da família levar os filhos ao teatro, educação vêm de casa, não necessariamente as crianças vão gostar ou querer aquilo, mas se de duzentas, dez gostarem e quiserem voltar isso é uma vitória”.
Todo esse conceito de educar através da arte, tem tido seu pontapé inicial e sua realização mais concreta através de instituições sociais que usam esse principio como subsídios para o resgate de crianças marginalizadas. Entre muitas instituições está o Projeto Axé.
Fundado em 1990, pelo florentino Cesare de Florio La Rocca, educador e advogado, nasce em Salvador um projeto que já vinha sendo pensado e estruturado cinco anos antes, o Projeto AXÉ. Incentivado pela organização italiana não governamental de cooperação internacional, Terra Nuova, e pelo Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua e com clara atuação política e pedagógica, instala-se com o objetivo de resgatar crianças e adolescentes que vivem nas ruas, ou filhos da exclusão, como os denomina Cesare, dando-lhes educação de qualidade.
O projeto, que atende hoje aproximadamente 1.500 crianças e adolescentes, começa nas ruas, nas chamadas Escola a Céu aberto, onde educadores instruídos fazem um trabalho de conscientização e estímulo para seduzi-las. Segundo Caubi Nova, professor de História que trabalha como Assessor e Educador Popular do AXÉ, “o intuito é fazer com que essas crianças queiram vir para o AXÉ, não que sejam trazidas, mas que venham por elas mesmas”.
Incluídas efetivamente no projeto, essas crianças são dividas em grupos de acordo com suas necessidades e idade. Crianças entre 4 e 11 anos são encaminhadas para o Canteiro dos Desejos, espaço pedagógico que trabalha o lúdico, o imaginário e a cultura infantil tentando viabilizar a contemplação das diversas áreas do conhecimento. Jovens com idade superior a 11 anos são encaminhados a uma das Unidades Educacionais do Pelourinho, Unidade de Dança e Capoeira e Unidades de Profissionalização que atendem jovens de 12 a 18 anos, para a qual o projeto disponibiliza oficinas e companhias. Dentre elas está a Usina da Dança, que engloba a Escola de Dança Gicá e a Cia. Jovem de Dança, e trabalha com uma ampla visão cultural levando em consideração as manifestações expressivas das vidas e experiências vivenciadas pelas crianças. Destacando a cultua local e das manifestações étnicas universais, preocupa-se com a coerência dos seus conceitos éticos e estéticos e não apenas com a performance técnica interpretativa. Da mesma forma atua a oficina de Teatro, em parceira com o Teatro XVIII, no qual se apresentam espetáculos do projeto, e a oficina de Música, denominada Casa dos Sons (Canto Coral e Individual, Capoeira, Instrumentos Musicais e BANDAXÉ), que conta com o apoio indireto de artistas baianos como Caetano Veloso e Gilberto Gil, que cedem espaços em seus shows para apresentação do grupo percursivo do AXÉ. Como pré-requisito, é obrigatório fazer parte da oficina de capoeira pelo tempo mínimo de um ano, como incentivo ao conhecimento e contato da cultura popular local.
Jovens com idade a partir de 16 e limite de 24 anos são incluídos no campo de trabalho em uma das Empresas Educativas (Modaxé, Stampaxé, Casaxé e Opaxé), onde vivenciarão desde a formação e construção de um pensamento e visão mercadológica do mundo atual, até a criação e confecção de materiais de consumo básico, como roupas. Essas empresas visam preparar o jovem para o convívio no mercado de trabalho, além da educação para a cidadania e a construção de seus próprios projetos de vida pessoal e social, nutrindo sua consciência de direitos e deveres. Para esses jovens é disponibilizada uma bolsa auxílio de R$185,00 (cento e oitenta e cinco reais) como ajuda de custo, além de cachês dos que atuam em alguma das Cia. em apresentações municipais, nacionais e internacionais.
Educar através da cultura é fazer funcionar, assim, a teoria de que a partir da descoberta que o diálogo entre a arte e a educação e os conflitos provenientes dessa fusão, produzam estímulos cognitivos e sensoriais que são fundamentais para o entendimento da vida, que desloca os jovens de um patamar restrito e sem perspectivas, para uma percepção de que há na vida, um tempo e um espaço infinitos a serem conquistados.

Alexandre Rodrigues

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