quarta-feira, 6 de junho de 2012

Gente Comum - A senhora da transbordo


Sempre fui muito observador, mas confesso que até para alguém como eu muitas coisas passam desapercebidas. Imagens únicas, exclusivas em meio a multidão que passa por nós diariamente. Já parou para analisar quantas pessoas durante um dia passam por você sem que se lembre do rosto de um décimo delas ao fim de vinte e quatro horas? Hoje me deparei com um que não esquecerei.

Sentada num dos bancos da estação de transbordo do Iguatemi, com a tranquilidade de quem não espera muito mais da vida. O seu ritmo não acompanhava o vai e vem frenético de pessoas que corriam pra todos os lados se amassando para subir em ônibus que fazem ponto ali. 

Aparência frágil, cabelos completamente brancos, pele bem clara. Sua idade não ouso arriscar, mas as marcas em sua pele enrugada pelo tempo mostram que a vida não foi fácil, ainda que seu semblante tranquilo demonstre estado de paz.

Não resisti. Fiquei observando-a até que um vendedor com jeito malandro, ar de aproveitador, se aproximou. Roupas mal cuidadas, cigarro aceso na boca debaixo de um bigode volumoso e desalinhado, sentou-se ao lado da senhora oferecendo-lhe algo.

Intriguei-me. O que aquele senhor poderia oferecer a aquela senhora?

Depois de alguns poucos instantes de conversa ele se afastou e voltou com uma imagem em forma de poster em papel rígido e cintilante de Nossa Senhora Aparecida. Nunca havia visto olhos reluzirem tanto encantamento. Ele deixou que ela segurasse a imagem por um período curto de tempo arrancando-a das mãos logo em seguida. 

Indignei-me. A senhora com dificuldade levantou, retirou algumas moedas do bolso, entregou ao aproveitador e recebeu algumas outras moedas em troca junto com a imagem.

Emocionei-me. Não importava mais o abuso sofrido, ela iluminou-se. Desde que a observara foi o primeiro sorriso, um sorriso que não se vê sempre, era felicidade da mais pura. A senhora apertou a imagem contra o peito como quem acolhe um recém nascido. Mostrou a imagem a um senhor que estava sentado ao seu lado e acompanhava a tudo. Creio que ele também percebeu a alegria que emanava da senhora e, também, sorriu.

Fiquei ali, inerte, observando aquela senhora que se reservava entre apreciar e acolher sua aquisição como um bem valiosíssimo. 

Para onde ela estava indo? Bom, não sei. Penso que depois da imagem, nem ela se importava mais. Entretanto, em um lugar sei que ela permanecerá por muito ainda, em minha lembrança.

Não sei seu nome. Na verdade não sei nada sobre ela, mas seu sorriso de felicidade me mostrou o que ia em sua alma e, assim, me disse tudo.

Alexandre Rodrigues