sexta-feira, 26 de outubro de 2007

Sim, eu falo!


Crianças e jovens portadores de deficiência auditiva estão sendo preparados para o convívio social, através da educação não-formal da Federação de Bandeirantes do Brasil, em parceira com o Centro de Integração Escola e Lazer – CIEL. Projeto da Presidente do movimento bandeirante na Bahia, Letícia Dantas mostra que pessoas surdas são capazes de viver como pessoas sem nenhum comprometimento.
Criado em 1909 na Inglaterra por Robert Baden-Powell, ou BP como ficou conhecido, o Movimento Bandeirante começa intitulado de Girls Guides (Meninas Guias), como o próprio nome já diz, apenas para meninas. E assim foi, até 1960, quando no Brasil as portas para o bandeirantismo são abertas para meninos e rapazes. No entanto, a data da chegada ao Brasil é de 1919, quando através de uma carta enviada por BP propondo a fundação do movimento no país, e adotada pela Sra. Jerônyma Mesquita, conhecida por trabalhos educacionais e sociais, tendo em sua primeira turma 11 meninas que no dia 13 de agosto de 1919 realizaram a primeira cerimônia de promessa.
Organização civil de âmbito nacional, sem fins lucrativos, de educação não-formal e voltada para o público infanto-juvenil, adota a missão de preparar cidadãos através de experiências de convívio em grupo, de respeito ao próximo e do cultivo de valores para combater o individualismo e a passividade que se fazia sentir já no início do século XX, Baden-Powell cria a Promessa Bandeirante e o Código, caracterizado como conjunto de normas e atitudes fundamentais à vivência do Bandeirantismo.
“Prometo, sob minha palavra de honra, que farei o melhor para:
Ser leal a Deus e a minha pátria
Ajudar o próximo em todas as ocasiões e
Obedecer ao Código bandeirante”.
Tratando de método educativo, o bandeirantismo possui oito pilares interdependentes: vivência do Código e da Promessa Bandeirantes, convivência e trabalho em equipe, aprender fazendo, auto-progressão, vida ao ar livre, expressão e simbolismo, convivência entre jovens e adultos e serviço na comunidade.
Hoje, a Federação de Bandeirantes do Brasil (FBB), 88 anos após sua implantação no país, faz-se presente em 15 estados, com cerca de 1.000 voluntários que trabalham com mais de 7.000 crianças e jovens participantes do movimento.
Foi pensando na educação moral desses jovens que participam do movimento, e com a pretensão de ter essa proposta estendida pelos grupos espalhados pelo Brasil que a Assistente Social e Presidente da FBB da Bahia, Letícia Dantas, eleita pela primeira vez aos 23 anos, cria o projeto Bandeirantismo na Diversidade, visando à inclusão de jovens portadores de alguma necessidade especial. Bandeirante desde os 13 anos de idade, Letícia deparou-se com a perda auditiva de sua filha caçula, que com menos de dois anos foi vítima de uma infecção urinária, que ganhou maiores proporções levando a criança à UTI em estado grave. Para que a situação da menina fosse estabilizada, os médicos aumentaram consideravelmente as doses constantes de medicamentos, o que a salvou. Porém, todo aquele bombardeio de remédios causou a surdez na criança. “Por um lado agradeço a Deus, por ter deixado a surdez, mas ter deixado ela viva”, emociona-se Letícia.
Depois de enfrentar todas as dificuldades para conseguir tratamento específico e da busca por fazer com que sua filha tivesse uma vida normal e voltasse a ser oralizada, Letícia, após muita luta, ganha fôlego para levar essa história como exemplo para uma proposta ainda maior. Bandeirante de coração, retorna à FBB para reerguer o movimento, que nessa época estava quase se findando na Bahia, e começa uma luta em prol dos que eram deixados à margem da sociedade. Mesmo com sua proposta inovadora e destemida, o receio de abandonar tudo que construíra até então ainda a fazia resistir, quando inesperado aconteceu: a empresa na qual Letícia trabalhava entra em concordata e tem o quadro de funcionários reduzido a um quarto do total. Sem emprego, ela começa a viabilizar o seu sonho, e em 1994 funda o CIEL – Centro de integração de Escola e Lazer, preparando professores e funcionários para lidar de forma igualitária entre os estudantes do centro. “A partir daí, sempre com a proposta do trabalho de inclusão, com psicólogos, fonoaudiólogos, professores, eu como assistente social, sempre com essa mesma estrutura, interligando a terapia da área pedagógica e terapêutica”, conta Letícia. Hoje, Vivian Caroline se comunica através de leitura labial e linguagem de sinais, além de falar. Faz faculdade de educação física, trabalha no CIEL e faz parte do grupo bandeirante.
Após criar um espaço físico voltado para o público surdo, e atendendo, também, crianças e jovens portadores de alguma necessidade especial, pudessem viver a inclusão, Letícia inicia mais uma trajetória na briga contra a exclusão. Em 2004, começa a organizar o projeto Bandeirantismo na Diversidade, que só seria aprovado em 2006. Com o objetivo de preparar lideranças para levar a missão do Movimento Bandeirante às crianças e jovens com deficiência auditiva, o projeto oferece para os bandeirantes e para a comunidade acesso à realidade bandeirante e o convívio com pessoas surdas. O programa é desenvolvido através do método Bandeirante, que propõe um aprendizado com a combinação de atividades diversificadas, a partir dos interesses comuns. Buscando aplicar este conceito, cria-se em paralelo o projeto de arte e cultura, aberto para os jovens envolvidos e para a comunidade o direito ao contato com essas duas vertentes. Assim, oficinas de LIBRAS – Língua Brasileira de Sinais, dança e judô são criadas para atender a proposta. Além das atividades o grupo bandeirante baiano tem um coral de LIBRAS regido pela coordenadora do CIEL, Cátia Fernanda.
. A maior proposta do programa é acabar com o conceito pré-estabelecido de que surdo também é mudo. Os portadores da deficiência não desenvolvem a habilidade da fala por não terem recebido nenhuma informação sonora. No CIEL, crianças de qualquer idade são estimuladas a torna-se oralizadas por meio de sensações como vibrações faciais e mesmo através da leitura labial. “À grande problemática vai da crença de que só tem capacidade de emitir o som quem recebe o som. Como não têm essa recepção sonora, porque possuem um bloqueio auditivo criou-se o estigma de que não podem falar. A partir daí trabalhou-se sempre a questão de que todo surdo é mudo, não o estimulando a expressão oral”, explica Letícia e ainda completa: “É provado cientificamente, que se as pessoas surdas forem estimuladas, vão sentir a vibração que existe na fala de outro indivíduo. Trabalhando com todas essas energias e possibilidades que as vibrações da região facial, bem como a vibração do chão, podem proporcionar, pelo tato, o estímulo para emitir e/ou reproduzir o mesmo som, independente de estar diretamente recebendo-o”.
Diferente de entidades que utilizando a proposta de inclusão terminam segregando os portadores de algum tipo de deficiência física ou mental, o CIEL em parceria com a FBB, acredita no “aprender a fazer fazendo” e por isso prepara os jovens para a convivência em sociedade incluindo-o nela. “Meu sonho é que as políticas públicas funcionassem, fossem levadas mais a sério e que a inclusão fosse mais do que reservar vagas em faculdades e de empregos para esses portadores de necessidades especiais, mas que eles possam ser preparados para competir e brigar pelo que eles são capazes”.



Alexandre Rodrigues

quarta-feira, 3 de outubro de 2007

AXÉ: Arte multiplicando Educação

Da rua para o palco, do palco para a vida. Há 17 anos o projeto AXÉ vem resgatando crianças do submundo das drogas e da prostituição, trazendo-as de volta ao convívio social por intermédio da arteducação. Durante esse tempo já foram assistidas pelo projeto mais de 13.000 crianças e adolescentes.
Fundado em 1990, pelo florentino Cesare de Florio La Rocca, educador e advogado, nasce em Salvador um projeto que já vinha sendo pensado e estruturado cinco anos antes, o Projeto AXÉ. Incentivado pela organização italiana não-governamental de cooperação internacional, Terra Nuova, e pelo Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua e com clara atuação política e pedagógica, instala-se com o objetivo de resgatar crianças e adolescentes que vivem nas ruas, ou filhos da exclusão, como os denomina Cesare, dando-lhes educação de qualidade.
O projeto, que atende hoje aproximadamente 1.500 crianças e adolescentes, começa nas ruas, nas chamadas Escola a Céu aberto, onde educadores instruídos fazem um trabalho de conscientização e estímulo para seduzi-las. Segundo Caubi Nova, professor de História que trabalha como Assessor e Educador Popular do AXÉ, “o intuito é fazer com que essas crianças queiram vir para o AXÉ, não que sejam trazidas, mas que venham por elas mesmas”, nomeando esta etapa de Educação de Rua, que atende crianças de 4 a 17 anos. Posterior a essa conquista, os educadores fazem a primeira de muitas e constantes visitas de acompanhamento às famílias dos menores. “Toda criança que está na rua tem família [...] aquelas crianças que estão ali têm uma história, elas são resultado da estrutura de uma sociedade perversa”, complementa Caubi. Incentivando, sempre, a formação do pensamento individual e subjetivo de cada criança enquanto ser pensante, o AXÉ não descarta a bagagem de conhecimento e de cultura das que chegam a ele, despertando assim, pequenos professores.
Incluídas efetivamente no projeto, essas crianças são dividas em grupos de acordo com suas necessidades e idade. Crianças entre 4 e 11 anos são encaminhadas para o Canteiro dos Desejos, espaço pedagógico que trabalha o lúdico, o imaginário e a cultura infantil, tentando viabilizar a contemplação das diversas áreas do conhecimento. Jovens com idade superior a 11 anos são encaminhados a uma das Unidades Educacionais do Pelourinho, Unidade de Dança e Capoeira e Unidades de Profissionalização, que atendem jovens de 12 a 18 anos, para a qual o projeto disponibiliza oficinas e companhias. Dentre elas está a Usina da Dança, que engloba a Escola de Dança Gicá e a Cia. Jovem de Dança, e trabalha com uma ampla visão cultural levando em consideração as manifestações expressivas das vidas e experiências vivenciadas pelas crianças. Destacando a cultura local e as manifestações étnicas universais, preocupa-se com a coerência dos seus conceitos éticos e estéticos e não apenas com a performance técnica interpretativa. Da mesma forma atua a oficina de Teatro, em parceira com o Teatro XVIII, no qual se apresentam espetáculos do projeto, e a oficina de Música, denominada Casa dos Sons (Canto Coral e Individual, Capoeira, Instrumentos Musicais e BANDAXÉ), que conta com o apoio indireto de artistas baianos como Caetano Veloso e Gilberto Gil, que cedem espaços em seus shows para apresentação do grupo percursivo do AXÉ. Como pré-requisito, é obrigatório fazer parte da oficina de capoeira pelo tempo mínimo de um ano, como incentivo ao conhecimento e contato da cultura popular local.
Jovens com idade a partir de 16 e limite de 24 anos são incluídos no campo de trabalho em uma das Empresas Educativas (Modaxé, Stampaxé, Casaxé e Opaxé), onde vivenciarão desde a formação e construção de um pensamento e visão mercadológica do mundo atual, até a criação e confecção de materiais de consumo básico, como roupas. Essas empresas visam preparar o jovem para o convívio no mercado de trabalho, além da educação para a cidadania e a construção de seus próprios projetos de vida pessoal e social, nutrindo sua consciência de direitos e deveres. Para esses jovens é disponibilizada uma bolsa auxílio de R$185,00 (cento e oitenta e cinco reais) como ajuda de custo, além de cachês dos que atuam em alguma das Cia. em apresentações municipais, nacionais e internacionais. O AXÉ hoje, também se consagra por ser uma ONG a importar talentos para fora do país, como o jovem Diego atual bailarino do Ballet Bolshoi.
Tendo como um dos maiores apoiadores informais a Universidade Federal da Bahia e o grupo JACA – Juventude Ativista de Cajazeiras – também conta com o apoio das Secretarias da Cultura e da Educação do Governo do Estado da Bahia, através de convênios para liberação de verba para o projeto. Além dessas organizações públicas, empresas privadas como a Coelba, Jacques Janine, Rede Globo de Produção, dentre outros, dividem o espaço com apoiadores e parceiros internacionais, como a Associazione Axé Itália, Embaixada da Itália no Brasil, Governo da Itália através do Ministério das Relações Exteriores, e muitos outros.
Fazendo funcionar, assim, a teoria de que a partir da descoberta que o diálogo entre a arte e a educação e os conflitos provenientes dessa fusão, produzam estímulos cognitivos e sensoriais que são fundamentais para o entendimento da vida, que desloca os jovens do AXÉ de um patamar restrito e sem perspectivas, próprio da sua condição social, para uma percepção de que há na vida, um tempo e um espaço infinitos a serem conquistados.

Alexandre Rodrigues